Encontrei um maldito pé-no-chão

Ian Rebouças Batista

Num desses eventos sociais na casa de amigos, maquiado de almoço despretensioso, me deparo com um tipo que estava tentando evitar. Conhecia apenas os anfitriões. Em situações como essa já se deve sair de casa preparado para sustentar conversas nem sempre tão interessantes quanto você faz parecer. Risos, cabeça acenando, concordância. O mais fácil a se fazer é não ser você mesmo. Incorporar uma personalidade genérica que sirva para uma conversação agradável com qualquer pessoa. O objetivo é evitar a má-digestão e guardar espaço para sobremesa.

Entrei no campo da conversação e jogava bem, driblando polêmicas -caneta no Bolsonaro, lençol no PSOL e meia-lua no STF. Logo descobri que o jogo ali era todo mundo contra todo mundo, pois boa parte dos presentes também não se conheciam previamente. Nesse cenário, a conversação estava muito mais para um jogo de Fifa Street do que uma partida normal de jogo de futebol. Estavam todos firulando, lisos.

O assunto Copa surgiu na sala como se fosse uma bela assistência.

-E a Copa? Tá chegando, né.

Essa é sempre minha deixa, bola na área. Respondo logo que sim, que estou adiantando minha vida para trabalhar o mínimo possível durante o mês de sua realização — me adiantei à marcação. Todos comentam e concordam que é um evento que vai muito além dos jogos do Brasil, festa do esporte, festa entre as nações, blá blá blá - os outros jogadores arrastaram a marcação, a bola é minha. Pego em cheio:

-Eu tenho certeza que seremos hexa!

Torcida vibra! 

Um infeliz tira em cima da linha:

-Que nada.

O mesmo infeliz que deu a assistência. Cruzou e foi defender a cabeçada. Seguiu:

-O time do Brasil ainda é novo. Falta experiência. Depende muito de Neymar. Tite sozinho não ganha jogo. Alemanha e Espanha são possíveis adversários para oitavas e quartas e estão com times muito mais maduros.

Era um pé-no-chão. Um desses que em plena véspera de Copa do Mundo mantém a racionalidade, a frieza. Sua seleção carrega 5 estrelas no peito, a amerelinha voltou a ser temida e ele me aparece fincando os dois pés no chão.

No calor do momento, movido pela irritação de não poder comemorar com a torcida, apenas tentei ouvi-lo. Os demais jogadores do almoço agora eram só espectadores. A cada segundo em que eu permitia que fosse racional em sua argumentação, mais consciente e cauteloso ele se mostrava. Pra mim ele tinha tirado minha bola com a mão e argumentava com o árbitro, na maior tranquilidade, que não tinha feito nada de errado. Esse rapaz não entendia nada de Copa do Mundo, disso eu estava certo. 

Não entendia nada porque ser brasileiro e compreender a proximidade da Copa significa já planejar o churrasco para assistir a final. Vejam: a camisa amarela basta para empolgar o torcedor. A cada quatro anos temos a chance de nos orgulharmos internacionalmente (e diante da Argentina) por algo genuinamente brasileiro, nosso futebol. Não importa se a empolgação é com portões abertos num treino na Suíça, terminando tragicamente na eliminação do quadrado mágico. Não importa se a empolgação significa ver os lados positivos de Dunga e Felipe Melo. Não importa se a empolgação vem em forma de RT no tweet do André Rizek em 2014.

O árbitro da partida, o bom-senso que rege a boa convivência num almoço de domingo, acata a sugestão de uma torcedora:

-Dá pra fazer churrasco e não ter certeza da vitória, gente.

Inviável, sem nexo, indigesto. Senti uma fisgada na panturrilha. Pedi substituição. Tem dias que mesmo estando certo, não estamos do lado da razão. 

Descobri com quem não vou assistir os jogos do Brasil na Copa. Respeita o oba-oba. Racional e pé-no-chão deixemos pra ser depois, se não formos campeões. Até lá haja farra e devaneio.

Restando pouco tempo para a Copa, é crucial escolher suas companhias para assistir aos jogos da seleção brasileira. Já é bom, portanto, manter distância dos pés-no-chão soltos por aí. Não porque eles dão azar, mas por serem uma água no chopp constante e porque muito pior do que uma possível derrota na Copa, seria ouvir lá no fundo após o apito final: "Tá vendo? Eu avisei."

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