O ansiolítico

Yuri Eiras

Amarelo é euforia. Alvorada no morro, casa de veraneio, dinheiro no bolso se usado em dia de Reveillón. A cor, afirmam os cromoterapeutas, desperta a fome. Tudo a ver com a veia ofensiva que marcou a história da Seleção. O uniforme com nome de moça, Amarelinha, virou sinônimo de jogo bem jogado, e jamais um clube grande do país ousou vestir seus atletas assim. Muito por ela que o futebol brasileiro se tornou tão identificado com a alegria e a descontração; é bem verdade que em algumas Copas o substantivo da vez foi a desconcentração, enfermidade crônica que volta e meia nos atinge. Aí o poder da camisa vira verbo: amarelou.

Se os adversários tremem — e por vezes nós também — ao avistarem a Amarelinha em campo, o uniforme reserva traz a sobriedade necessária para equilibrar o emocional da equipe. O azul navega em águas calmas, e aparece nos momentos nos quais a Seleção precisa, mais do que tudo, de serenidade.

Perdemos a Copa de 50 e amaldiçoamos não nossa soberba, mas o goleiro Barbosa, negro, e a camisa branca; jamais voltaríamos a usá-la. De volta a uma decisão em 58, enfrentamos a anfitriã Suécia, que veste amarelo. Foi aí que entrou em cena a misericórdia de Nossa Senhora Aparecida, santa negra como Pelé. Em homenagem ao manto da Padroeira, a delegação escolheu vestir azul. O verbo se fez carne, deu um chapéu no zagueiro e chutou de peito de pé. O adolescente de 17 anos, vestido com a cor do céu, fez dois dos cinco gols da final.

Utilizamos azul outras oito vezes em Copas do Mundo. Foram cinco vitórias, um empate e duas derrotas — ambas para a Holanda (2 a 0 em 1974 e 2 a 1 em 2010 — ah, Felipe Melo). Perdendo ou ganhando, nunca um jogo fácil. Porque se é fácil, tem festa, e se tem festa não é com ele. A camisa reserva é mais prosa que poesia. Se o amarelo samba enquanto joga bola, o azul valsa pelo salão verde.

Pois veja: Ronaldinho, de azul, marcou uma pintura de gol contra a Inglaterra em 2002, de falta. Comemorou sambando e minutos depois foi expulso do jogo. O árbitro sabia que aquilo não era traje.

Apesar da eliminação em 2010, quando nem mesmo o equilíbrio da cor cantada por Tim Maia foi capaz de acalmar Felipe Melo, o retrospecto mostra que o azul é mesmo remédio contra a ansiedade. Renova a energia e faz a equipe usar mais a cabeça que o coração, principalmente naqueles jogos truncados de fase intermediária; um 1 a 0 pouco convincente na última rodada da fase de grupos, um 0 a 0 acabrunhado de oitavas de final.

O amarelo, que recentemente virou a cor oficial dos que foram às ruas nos últimos anos, já não tem lá tantos adeptos. Patos são amarelos e a turma da esquerda, em protesto, chegou a fazer uma Amarelinha vermelha. Está justamente aí a missão cívica do azul fora das quatro linhas: a de apaziguar o país. Ele, que não é contra ninguém, une toda a nação, de Garanhuns a Curitiba, na luta contra a verdadeira praga nacional, o horror de nossos tempos: a tal da combinação de camisa amarela com shorts brancos.

Se a amarela é alvo de polêmicas futebolísticas e políticas, a azul tem o necessário para aproximar os mais diferentes torcedores: a calma cromática e o histórico vencedor. Por isso, na Rússia, tão importante quanto torcer para Neymar atingir seu auge, é torcer para que sejamos obrigados a tirar dos armários nossa camisa reserva.

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